segunda-feira, 1 de junho de 2009

Lágrima


Cabeça aos estouros. Respiração lenta. Pele protetora de olhos travada. Imagina um rolo para macarrão. Rola. Boca ao chão. Grita um galo. Pulam os caninos. Líquido pastoso tingido. Firma-se com os membros disponíveis. No chão e entre paredes procura. Líquido pastoso tingido aguado e ensaboado. Veste a única camiseta. Veste a calça reserva. Veste seu pisante. Caixa com palitos com fósforos nas pontas rubras. Os coloca em um bolso. No outro o molho. Conta as badaladas ao chegar. Tem pressa em acabar. Pinta pensando na pinga. Pinta pensando que a guimba não o espera. Tinge as cores na aspereza. Espera. Interminável espera. Procura o líquido preto, fumegante e amargo. Queima uma calejada e suja. Estanca o pastoso tingido. A outra calejada e suja liga. Seu gosto musical garante qualidade. “Eu que não fumo, queria um cigarro. Eu que não amo você. Envelheci dez anos ou mais. Nesse último mês”. Antes de voltar acende outro. Pinta. Retoca. Pincela. Pinta. Retoca. Pincela. “Eu que não bebo, pedi um conhaque. Pra enfrentar o inverno. Que entra pela porta. Que você deixou aberta ao sair...”. Uma gota escorre. Sulcada passa despercebida. Odeia memórias conjugais. Pinta. Retoca. Pincela. Pinta. Retoca. Pincela. Uma sirene sai da caixa sonora. Adora estar informado. Não fosse pintor seria policial.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Cigarro


Numa esquina acendeu mais um. Parou. Olhou. “P-A-R-E: Puta Armada Repentina Esperada”. Firmou as pernas. Soluçou. Rodeou a sigla numa comemoração olímpica. Desequilíbrio olímpico numa marcha atlética não convencional. Parou. Mirou a sarjeta. Firmou-se com os membros superiores. Sentou. Amassou o maço. Queimou uma mão calejada e suja. Com a outra acendeu outro. “P-A-R-E: Pombas, Arrume Restos Escrotos”. Socos levados estão para o rapaz sentado na sarjeta como o atual está para acender o próximo. O próximo é o último do dia. À noite comprará soltos. Acaba de aderir à idéia de um camarada. “Quando você compra solto, você economiza e fuma menos”. Ainda sentado, tira a única camiseta. Fecha a boca o máximo que pode. Tecido até o pescoço. Uma mão suja e calejada segura a guimba. A outra suja e calejada passa o tecido pela cabeça sem derrubar os óculos escuros. Aperta o passo como pode. Seu novo pisante estará velho quando terminar de pagá-lo. Sente sua cabeça e pés apertados. Mãos apertadas numa abstinência crepuscular. Trajeto conhecido e infinito. Faz os cinco minutos restantes em meia hora. Vasculha os bolsos até o tilintar. Tenta todas do molho. Fechado atrás de si enfrenta a leve subida. Crava com toda força do poderoso pisante a cada movimento olímpico. Rodopia. Coreografa. Rodopia. Crava. Duplo rodopio. Crava. Cachorro entrelaçando pernas. Pulando para lambê-lo à cara.